terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Ovalunda do aviário (*)

Os passos titubeantes de um bebé amparado pelas pernas e pelas asas protectoras de uma mãe. Os passos saltitantes de uma criança também, despreocupada a percorrer a calçada enquanto oferece o seu sorriso ao sol.
Os passos medidos de adolescente que considera importante o estilo e o ritmo imposto ao caminhar. Passos acelerados quando se aprende o que implica crescer, o horário a cumprir e uma vida atarefada, sempre tão complicada pelo tempo que se esgota em questões insignificantes, de pormenor.

O lento passear de ancião desamparado pela vida que nos coloca de lado para abrir caminho a quem corre sem parar.

A ausência pouco notada no quotidiano desta calçada de todos quantos já esgotaram os passos disponíveis. Os vultos substituíveis no ajuntamento em hora de ponta, passos largos a caminho de outra calçada qualquer.

E eu sigo os contornos de uma mulher que passa, reluzente, pelo meio da praça, enquanto conto mentalmente os passos necessários para o ponto de intersecção.

O início de uma relação inesperada ou apenas mais um tropeção na passada, pouco importa na altura em que a pose observadora se rende à urgência de caminhar quem não perca pela demora.

A vida que estava a acontecer ainda agora.


(*) Ovalunda: Definição e Direitos de autor(a) AQUI.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Rua do templo

Adoro as mulheres e tudo aquilo que são e o que representam, entendo-as como origem de quase tudo quanto de bom uma vida nos dá.

Adoro comunicar, sobretudo por escrito, e com isso aprender cada vez mais acerca de mim nas outras pessoas. E vice-versa. Olhos nos olhos ainda melhor.

Também adoro um deus chamado Amor, ao qual presto reverência em cada dia da minha existência porque não lhe dispenso uma manifestação da sua omnipresença. Nos outros ou em mim.

Adoro momentos de excepção, mágicos. Daqueles que se revelam de repente aos nossos olhos e aos outros sentidos também. E à alma, quando se gravam em ouro no cofre-forte das emoções intemporais. Nunca experimentei a sós.

Adoro sentir que deixo rasto da minha presença na vida de outros como alguns gravam em mim a sua. De preferência um rasto tão agradável e permanente que sirva de trilho para o regresso a mim, inadiável algures no tempo. Nem que apenas no sorriso maroto provocado por uma recordação intensa e feliz.

Adoro todas as criaturas capazes de ligarem as suas existências à minha, mesmo que apenas de passagem nos seus próprios caminhos, sob um dos pressupostos anteriores.

Cumpri.

Mas não me peças para reencaminhar a alguém. Embaraça-me a falta de opções...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Rua da ponte

A ponte foi temporariamente cortada, talvez para obras nessa importante via de comunicação.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Duplos Sentidos

Há um homem que corre ao fundo desta avenida. Parece fugir de uma vida, pois nem por uma vez se volta para trás.
Parece sentir-se capaz de escapar a uma realidade qualquer, um problema financeiro ou o amor por uma mulher errada, o homem que corre ao longo desta estrada sem medo dos carros que o ladeiam no alcatrão.

Acabo de cruzar com ele o meu olhar curioso e acho sem dúvida espantoso o seu ar de quem tenta conjugar alívio e aflição. Parece ter perdido a razão algures, provavelmente nos bastidores do seu dilema, mas não consigo sentir pena da aparente demência que lhe preserva a consciência de alguns dolorosos beliscões.

Há um homem que corre para fugir às emoções demasiadas, indiferente a quais as estradas que precise palmilhar para atingir um lugar calmo e seguro, pois no mapa do seu futuro multiplicam-se as incógnitas.

E eu acabo de me cruzar com ele, corremos em direcções opostas.

Talvez, quem sabe, em busca das mesmas respostas...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Rua da belavista

Vejo lá ao fundo o muro onde te sentavas mais a paisagem que se estendia no além por detrás.
Vejo muito fortes as cores de desejos e de amores partilhados nos corpos pressionados contra aquela divisão de tijolo entre o coração e o miolo que acabava sempre por nos esconder apaixonados no proibido lado de lá.

Hoje não vejo ao fundo, onde esta rua acabava, a silhueta que eu ansiava ali encontrar, agora que só me resta imaginar-te ali sorridente e por detrás o horizonte, magnífico, exposto a nu.

Agora vejo lá prédios e uns quantos quintais. Mas naqueles dias só existias tu.

E absolutamente nada mais.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Beco da taberna

Sinto no ar o cheiro do pão acabado de fazer quando chego da noite queimada de bar em bar.
O pavimento a oscilar e eu em busca do equilíbrio necessário para não fazer má figura. O fio de prumo interior a traçar uma diagonal imaginária, concentro-me no candeeiro de rua e encontro o alinhamento possível. Passo a passo, rumo à porta onde te vejo abraçada a um vulto com pinta de abstémio. Passo a passo, tropeção, vou tomando a decisão menos acertada porque já não és minha namorada e eu nem tenho ciúmes de ti ou de qualquer outra mulher.

Acordo mais tarde no chão e tenho desenhada uma mão a vermelho no rosto, corado à bruta pela força da razão nenhuma que me perdeu nesse dia.

Olho de soslaio para o grupo reduzido de mirones, a dignidade possível num destroço erguido como um colosso da pedra da calçada. A padaria abandonada à necessidade de dormir.

Ou talvez apenas fugir. Da sombra da minha estupidez.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Avenida jus ao nome

You Are: 50% Dog, 50% Cat
You are a nice blend of cat and dog.
You're playful but not too needy. And you're friendly but careful.
And while you have your moody moments, you're too happy to stay upset for long.

Alameda da Saudade


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Beco dos namorados

Entrego-me à nostalgia e decido investir o dia a calcorrear antigos caminhos, a saborear as vozes, os cheiros e os tons.
As velhas ruas da infância embevecida a contemplar janelas por onde despontavam, a horas certas e determinadas, os rostos das namoradas que o passado me ofereceu.
As ruas que se percorriam devagar na adolescência, tentando aumentar a distância percorrida sobre as nuvens de uma paixão assolapada. Um beijo em cada vão de escada, a permanente e mal controlada vontade de ir um pouco mais além.

Caminhos renovados pelos passos apressados de adultos que preferiram esquecer o amor e aprender a lidar com a dor da separação, com o advento da resignação nas segundas escolhas que jamais conseguem transcender-se nas expectativas de quem não as preferiu mas apenas preencheu um vazio de forma atamancada.

Com cada namorada uma sensação especial, no meu coração, fundamental, ser grato por aquilo que partilharam enquanto comigo nas ruas amaram antes do tempo a dois se esgotar.
O prazer de namorar, de aprender a amar nas alegrias e nas tristezas, de apreciar as muitas belezas que apenas desabrocham sob a luz e o calor intensos da paixão.

Acarinho a recordação de cada rosto com nome, uma saudade que jamais se transforme num azedume ressabiado, em cada momento lembrado num ponto de referência qualquer.
Acarinho a imagem de cada mulher que namorei nestas ruas.

Mesmo das que desertaram no momento em que se souberam duas...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Praceta do imprevisto

A noite fria de um inverno tão seco como a última expressão que me dirigiste, no dia em que decidiste abraçar um modo hostil.
Escuto a sirene à distância, de uma apressada ambulância que transporta alguém para a urgência hospitalar onde tentarão reanimar um coração em colapso final. Pessoa conhecida, anciã solitária numa caverna situada num edifício qualquer. Revela-se essa realidade pela boca de um mirone de circunstância, atraído pela ambulância que implica a desdita de que se quer testemunha, a plateia sempre apinhada de quem parasita o sofrimento alheio para minorar um pouco o seu, por comparação ou ainda pior.

O mesmo critério que aplicaste ao amor que não te neguei até ao momento em que deixei cair a vontade nos braços de um fantasma em que tornaste a relação que elogiaste enquanto o coração te guiou.

Depois, na prática, parou e a cabeça logo tomou as rédeas da tua loucura e impôs a ditadura do boçal, reduziu-te a uma pessoa banal das que compõem esta multidão que se acotovela para sorver a desgraça alheia sem qualquer sinal de perturbação.

Tão fria, a multidão, como a tua atitude que recordo nesta noite em que a rua, agreste, me presenteia com a imagem de outro fim.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Travessa das iguarias

Brilha o sol e ajuda-o cada lençol branco pendurado no estendal, reflectindo na calçada e nas paredes envelhecidas um revigorante acréscimo de luz.
Tal e qual como o que se produz quando te vejo cruzar essa porta e o teu rosto vem iluminar ainda mais o meu dia.

Invade-me uma alegria soalheira, a certeza de um período à maneira sob o auspício do teu sorriso e a transparência marinha desse teu olhar meio verde ou meio azul.
Recordas-me os mares do sul e eu, marujo por vocação, navego pelo coração e enfrento uma tempestade interior quando me apercebo do furor que provocas à tua passagem. O ciúme tornado vertigem no enjoo de embarcado num oceano revoltado pela cobiça de tantos pretendentes ao matrimónio ou, como eu, apenas aspirantes a um amor transitório entre portos de abrigo que se convertem num castigo quando chega a hora de zarpar.

Brilha o sol no teu olhar. E eu, ofuscado, desvio o meu para o outro lado para me poupar à dor da luminosidade agressiva e ao torpor da velocidade excessiva a que no meu peito circulam as emoções por ti provocadas.

Sensações ensolaradas, nas manhãs em que percorro a tua linha costeira da cabeça aos pés e receio encalhar a traineira no regaço do teu mar que me amedronta desequilibrado no convés.

Sei que pouco adianta tentar fugir do sol e procurar a escuridão prudente.
Tu és como um farol.

E eu vejo-te e fico cego e sabes bem como cedo ao teu foco de atracção incandescente.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Praça do adeus

Ela sentou-se na mesa da esplanada onde melhor conseguia observá-la sem proezas de contorcionista.
Ela ocupou a totalidade do meu horizonte, onde antes o olhar se petrificava na estátua coberta de verdete em honra de um ilustre qualquer.
Ela era uma linda mulher e quando se levantou para partir o bando de pombos acompanhou a tendência, voou, os figurantes que percorriam a praça recolheram aos seus domicílios em busca do jantar e até o sol pareceu antecipar o ocaso para marcar aquela penosa despedida.

Eu acendi outro cigarro, levantei de novo o jornal e enclausurei-me na alienação de uns considerandos acerca de uma curta metragem para a qual um dia escreveria um deslumbrante guião.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Largo do coreto


Se há vez que não nos sai da memória é a primeira. E a Artemisa entendeu ficar assim ligada em definitivo à existência deste blog. Por ser a primeira a mimosear o espaço com um prémio e ainda por cima um prémio pá carola.
Não porque se trate de uma droga de prémio mas porque o nome diz tudo.

E agora compete-me reencaminhar a coisa. Confesso que não disponho de muitas alternativas, pois não só rareiam os blogs dignos de fixar como na maioria dos casos os/as autores/as já estão envolvidos nesta corrente.

Por isso não rejeito mas adio essa enumeração, para ganhar o tempo necessário para ponderar a situação.

Fico-me pelo agradecimento a quem me homenageou. Pela escolha e ainda mais pela respectiva justificação.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Rua da amargura

Fingiste tentar. Tentaste desafiar, a ver se pegava. Provocaste sensual e depois insultaste boçal quando percebeste o fim da esperança na imagem distante das costas que te voltei.
Percorreste a rua em busca de uma vingança que não te merecia a minha discrição onde morreram as tuas tentativas fingidas, as tuas emoções mascaradas de uma paixão de carnaval.
Nem essa foi conseguida, avisado que estava da falsidade da tua intenção. Avisou-me o coração que desmentia as tuas palavras, essas mesmas que não passavam de um esqueleto visível do teu abjecto ardil.

Jamais pisaremos de novo a mesma rua ou partilharemos um espaço comum, ciente que me deixas da diferença existente entre ti e as outras que tentaste em vão conspurcar com o manto de dúvida que tive o cuidado de te cobrir pelas costas, com todo o carinho que pudesse desguarnecer-te a perfídia com a confiança que me negaste nos esquemas, nas patranhas, nas falinhas mansas que utilizavas para me anestesiar.

Ficas só nessa rua, apenas até encontrares o meu sucessor para esse falso amor que alardeias enquanto ocultas na liga a faca com que castigas os crédulos na tua conversa beata de louva-a-deus.

Acabo de rasgar o mapa em mil pedacinhos, o único que me permitiria, talvez um dia, enlouquecer ao ponto de reencontrar o caminho até ao cadafalso que me tentaste construir.

Volto as costas, mas não presumas optimista que descuido os espelhos que me denunciem antecipadamente o momento em que cedas de novo ao instinto mais forte, à cobardia.

Perdeste de vez a hipótese de consumares a traição que te movia.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Beco da amnésia

Reparei que viraste a cara para o outro lado, com desdém, logo que reparaste na minha presença próxima. De imediato recordei a ansiedade no retrato dos dias em que a espera te agitava num frenesi descontrolado, como uma espécie de medo que eu não viesse um dia por ter desistido de uma paixão que nos parecia imortal.
Lembro-me bem desse tempo fenomenal em que não dispensavas uma palavra minha antes do café da manhã, sedenta de uma imagem e atenta a cada som. Gritavas a saudade e juravas uma fidelidade que jamais te exigi, pois embora muito chegado a ti não poderia assumir um compromisso duplicado na pele do amante amigo, do actor secundário num papel principal.

Agora sentes-te mal por cruzares o meu caminho, por lembrares um destino que rejeitaste neste mesmo espaço.

No dia do último abraço, quando ainda me acreditavas especial.