quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Rua do contrasenso


Travessa dos cruzamentos

Confrontas-me com esse olhar de quem pretende devorar-me (a alma) numa fracção de segundo, todo o tempo do mundo concentrado num simples cruzar de caminhos que nos dispara o coração como a válvula de um esquentador.
Água quente de um rio no colo de uma nascente sua mãe. Lágrimas doces que pingam de ti e explodem de luz no cumprimento reflexo ao sol, como se ilumina o meu sorriso à tua passagem numa sentida homenagem a esta generosa porção de uma poderosa emoção que não nos abranda sequer a passada.

Saltos altos na calçada, feminina, percorres a rua com um ar determinado.
E eu sigo, conquistado, degustando na memória o prazer visual.

Imaginando esta curta mas feliz história com um outro final...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Rua do apeadeiro

Reparo no teu olhar desorientado, silhueta perdida no burburinho à saída da estação no meio da multidão que ali se apeou.
Percebo-te indecisa, confusa, percebo-te musa para as palavras passageiras que desembarcam de mim neste simulacro de papel.
Penso-te agora, deslumbrante, penso-te agora muito distante mas desmente-me a lógica do que vi.

Afinal fui eu que parti, resguardado da chuva no interior da carruagem de um comboio que descobriste, apenas quando me viste, ser mais um ponto perdido no horizonte das tuas decisões adiadas.

Um ponto de partida para as tuas ocasiões desperdiçadas.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Pátio do sol

Sentada sem fazeres nada para prenderes assim a minha atenção.
Plantada como uma flor das que simbolizam o amor quando oferecidas ao par ideal.

Eu não sou. E tu és bonita demais para qualquer jarro te merecer.

Rua longe daqui




Mastercard avenue

Porque contemplas há tanto tempo essa montra?
Porque a namoras, embevecida, como se o melhor da tua vida estivesse do lado de lá dessa barreira invisível que a porta do lado elimina na condição?
Apaixonada pelo objecto que desejas e de que te queres apropriar para que te possua enquanto sabes que é tua a posse pelo direito de aquisição. O alvo da tua cobiça na palma de uma mão, a um preço que consigas suportar.

Outro capricho por satisfazer, apenas mais um.

E eu apresso a passada, atravesso mesmo a estrada. Aliviado por manteres nessa montra toda a atenção que jamais me quiseste dispensar.

Beco dos esquecidos

Espalhado pelo chão, coberto por cartão. Vadio, vagabundo, na ideia negligente dos que te vêem como um objecto representativo do fracasso, da perdição. Sem abrigo, para os poucos que interpretam essa mancha multicolor de andrajos de que se faz a tua presença como uma pessoa e não o que dela resta e a ninguém servirá seja para o que for.
Desististe do amor no meio de todas as coisas que já não tens nem reclamas, mesmo nos impropérios que exclamas encharcado numa zurrapa que te enlouquece apenas um pouco mais.

Espalhas-te pelo chão e cobres de cartão o frio, desaparecidas as vergonhas ou qualquer outro vestígio do orgulho de que entendeste abdicar perante ti próprio e aos outros nem ocorre poderes ambicionar.

Espalhado no alcatrão, abandonado como um cão no teu interior. A sós com a memória que te agride, entretido pela sobrevivência nos intervalos do tempo que dedicas à respectiva obliteração.

Rua sem saída

Cruzei-me contigo por mero acaso, do outro lado de uma rua qualquer. Olhei para ti e aquilo que vi não passava de uma representação daquilo que me parecias quando faziamos sentido a dois.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Cúmplice Algoz

Puniste-me, implacável, com a frieza do teu desdém. Castigaste-me pelo pecado de vergar demasiado aos caprichos que inventavas, de propósito, para daí resultarem os pequenos instantes de humilhação com que me quebravas pela espinha o orgulho e esmagavas aos poucos os escassos ecos de resistência no meu coração.

A minha punição, em lume brando, resultou da sentença que ao meu sentimento de pertença aplicou a tua sede libertária de independência total.
Foi o juízo final de uma condenação definitiva, tombado o amor às mãos frias do traidor que te descobriu vingativa.

No dia em que fechaste nas suas costas a porta do calabouço em que definho, a masmorra do remorso que adivinho no extremo oposto da equação onde te encontras, igualmente a cumprir pena pelo excesso cometido por esse despeito bandido que nos fez cair do céu.
E nessa perspectiva, este terrível castigo acaba também por ser o teu.

Laços sem Nó

Percebo-me, aos poucos, de costas voltadas para o sol.
Hesito até parar.
Depois começo a recuar, tacteando a berma do passeio com a traseira dos pés.

Percebo-me, aos poucos, saturado de esperar.
E começo a caminhar rumo a um futuro alternativo, paciência, enquanto o escreves pelo teu punho com a palavra ausência.

(Des)Peito Aberto

Marcas a hesitação com o pêndulo de uma emoção desgovernada, numa hora a amada que despi e agora a menina assustada que me expulsa de ti, a outra que me quer.
E eu deixo-me arrastar, infantil, pela maré que criam as tuas luas e percorro sozinho as ruas em busca de consolos de circunstância que só me acicatam a tua falta, ainda mais.

Regresso sem orgulho, rastejo aos meus olhos e aos teus. O amor que te tenho calado, para minha defesa, simulado por detrás de uma espécie de véu que me priva desse céu na tua boca que sorri quando percebes o que senti enquanto deambulava a ira passageira.

Dispara o coração, de tal maneira acelerado pela privação que o acobarda ao ponto de me humilhar perante ti e eu perceber que é de vez, atraiçoado pela lucidez que me impede de fugir da vergonha também. Da expressão vencedora que tem esse olhar de matadora que me revolta.

Mas a paixão logo sufoca a rebelião com um beijo de fogo e os corpos tombados na cama onde por certo vingarei o vexame como um homem que não te ame tanto como eu, nem verdadeiramente te queira sequer.

Ou como outro qualquer.

Reina Comigo

Tornaste-te rainha sempre que deixaste de ser minha, do teu amante plebeu.
E eu sinto que morreu qualquer coisa neste pedaço de tempo morno em que entendeste reclamar o teu trono, no reino distante onde não consigo chegar, tão longe que nem persigo com o olhar a tua silhueta difusa no horizonte a que viro as costas desertor.

Sinto que morre parte do amor, atrofiado pelo ciúme que do meu lado vem a lume quando imagino o teu corpo deitado e preencho o espaço em branco a teu lado com o contraste bem negro da sombra de outro homem qualquer.

Procuro noutra mulher o gosto acre da vingança mas nunca abdico da esperança de um dia reinarmos a meias no teu castelo de onde jamais alguém saiu.

Porque só nas fantasias plebeias a ponte levadiça nunca existiu.

Eternamante

Lembro-me, sim, que prometias caminhar até ao fim, comigo, por uma estrada completamente ladeada de árvores de fruto onde cantavam os pássaros que escuto na memória dos dias em que me permiti sonhar um amor genuíno.

Recordo também o destino que lias, cigana, nas palmas das minhas mãos, na cama, enquanto brincávamos com partes dos corpos a sério que transpiravam, pouco tempo depois, numa manta estendida à pressa no chão.
Era para sempre, dizias. Mas aos poucos desmentias pressupostos e acumulávamos desgostos na traição da tua ausência, muitos pesos na consciência que viraste como canhões contra o falso inimigo em que aparentemente me tornei.

Lembro-me que sonhei um dia o filho que te faria, o coração que me cegava e que tudo perdoava, a razão perdida numa discussão que abortava, pela evidência do meu engano, a loucura desse plano desesperado para te prender a mim de alguma forma.

Mas agora deixo que o sonho durma, enquanto finjo que me esqueço, de cada vez que me despeço, a verdade adormecida no encanto do teu olhar que já não reflecte o mesmo amor que me afirmavas nos dias quentes de que me lembro agora.

O sopro gelado de beijos distantes inspira-me um sentimento de vazio. E por mais que nos lembre amantes não consigo combater esse frio.

Vias de Facto

Puniste-me, implacável, com a frieza do teu desdém. Castigaste-me pelo pecado de vergar demasiado aos caprichos que inventavas, de propósito, para daí resultarem os pequenos instantes de humilhação com que me quebravas pela espinha o orgulho e esmagavas aos poucos os escassos ecos de resistência no meu coração.

A minha punição, em lume brando, resultou da sentença que ao meu sentimento de pertença aplicou a tua sede libertária de independência total.
Foi o juízo final de uma condenação definitiva, tombado o amor às mãos frias do traidor que te descobriu vingativa.

No dia em que fechaste nas suas costas a porta do calabouço em que definho, a masmorra do remorso que adivinho no extremo oposto da equação onde te encontras, igualmente a cumprir pena pelo excesso cometido por esse despeito bandido que nos fez cair do céu.

E nessa perspectiva, este terrível castigo acaba também por ser o teu.